"NÃO EXISTE NENHUM LUGAR DE CULTO FORA DO AMOR AO PRÓXIMO"

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quarta-feira, 16 de maio de 2012

Neurose religiosa


Cada um se vista como bem entender,
só não use a performance como medida de santidade

Eis um exemplo simples e básico dos reflexos da neurose religiosa na vida cotidiana que simplesmente cega:

Estava eu conversando com algumas pessoas queridas em uma residência. Ou seja, não era nenhum lugar público nem se tratava de encontro formal em local estranho; pelo contrário, era um ambiente bem familiar, onde se fala com naturalidade e se mostra um pouco do que se pensa... E se revela a alma!
A certa altura, uma religiosa - sim, porque religiosa é uma coisa, crente é outra e discípula de Jesus é outra coisa mais diferente ainda – tirou o spencer de manguinha bem curta que vestia por cima de um clássico vestido de manga cavada, perfeitamente decente, na altura do joelho, para personal stylist nenhum botar defeito.
Conversa vai, conversa vem, em meio a risadas e papo totalmente descontraído entre pessoas inteligentes e bem informadas jogando a velha conversa fora... Alguns minutos depois a do spencer muda a expressão facial, fica séria e resolve vesti-lo, dizendo com um sorriso amarelo e nem um pouco convincente:
- Tá meio quente aqui, mas o calor do inferno é maior, deixa eu colocar de volta o meu casaco.
Minha surpresa diante daquele ‘argumento’ foi tão grande que eu fiquei sem ação. Apenas ri, balançando a cabeça, como que dizendo pra mim mesma: ‘não, eu não ouvi isso’. E em seguida a constatação cruel: pobre alienada, apenas repete o que ouve do dirigente espiritual...

Essa mesma pessoa, em outro momento não muito distante - fazendo uma analogia com alguns acontecimentos em sua vida - havia dado um enfoque nervoso e aflito numa passagem em que, supostamente, Jesus repreende Pedro por causa de sua ‘pequena fé’. (Mt 14:22.33) Ela disse que 'aquela palavra' Deus enviara para ela como repreensão.

E eu confesso que não sei dizer com qual evento eu fiquei mais escandalizada: se com o do spencer ou o da suposta repreeensão divina. É intrigante como a religiosidade do medo e da coação, de tão arraigada em sua alma, não lhe permitiu enxergar o que estava escrito ANTES de Jesus falar acerca da ‘pequena fé’ de Pedro.
Mas dessa vez eu me pronunciei. Afinal, se tem uma coisa que eu levo a sério pra valer, é quando alguém me diz que Jesus disse isso e aquilo. E não deu outra. Corri para conferir e ler em voz alta todo o texto detendo-me no versículo 31:
E, prontamente, Jesus estendeu a mão, tomou-o e lhe disse: Homem de pequena fé, por que duvidaste?
Então olhei bem nos seus olhos angustiados e perguntei: cadê o Jesus turrão e questionador? O que eu estou vendo, em primeiro plano, é um Jesus cuidadoso:

E, prontamente, Jesus estendeu a mão.

A minha perplexidade era perceber que ela não conseguia enxergar duas colocações inquestionáveis acerca do amor prático e lúcido de Jesus:
‘PRONTAMENTE ’ e ‘ESTENDEU A MÃO’.

Ou seja: a inflexibilidade da crença no Deus turrão só lhe permitiu captar a pergunta que - aos olhos dela - era uma crítica acirrada; o deus sádico a empurra para o inferno por causa de alguns centímetros de pano 'faltando' em seus ombros; afinal, a mão do deus religioso é implacável, rancorosa e vingativa; este é o mesmo  deus da religião inflexível e cheia de regras que a impediu de enxergar o Deus do amor e da misericórdia que PRIMEIRO estende a mão; e que, em segundo plano, leva você a refletir sobre sua confiança Nele. (Relacionamento pessoal. E não, coletivo, igrejista ou por intermédio de dirigente reacionário)

O deus da religião não deixa você enxergar a disponibilidade incondicional de um Jesus extremamente amoroso, ainda que percebendo a nossa instabilidade e a de um certo apóstolo chamado Pedro ao ir de um extremo a outro da fé, em curtíssimo espaço de tempo.

Esses dois exemplos são apenas pequenos fragmentos do universo religioso que eu presencio constantemente. Assusta-me, pois percebo como uma neurose que vai fixando-se nas mentes cada vez mais aprisionadas e adoecidas pela CRENÇA em exterioridades. Uma crença - e não fé - que tem o atrevimento de traçar o perfil do próprio Pai. Crença que tem o desplante de dar limite ao AMOR, usando e abusando de versículos soltos, armando-se assim na vida cotidiana, do mesmo juízo próprio e da tacanha justiça pessoal que ousou mensurar o amor de Deus. Sim, crença, que tem a ver com religiosidade que maltrata e mata e não com o Evangelho que cura e salva.

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