"NÃO EXISTE NENHUM LUGAR DE CULTO FORA DO AMOR AO PRÓXIMO"

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quarta-feira, 29 de junho de 2011

Espaço de Vida






Sempre penso em pessoas portadoras de alguma doença crônica que, ao invés de se fecharem em casulos pessoais, lamentando a sua sina, fundam uma ONG, fazendo de seu problema um símbolo de luta, uma bandeira que abraça muitos que vivem sob dores semelhantes. Além da dor da alma pelo fato em si, uma doença crônica dói de várias maneiras no corpo e impõe o capricho de suas determinações a quem as tem: não pode isso, não pode aquilo e, daqui para frente, determinados cuidados serão para sempre. Por exemplo, a atenção, sem distrações, para com a periodicidade de determinados exames.


O que eu sempre penso sobre tais pessoas é quanto ao seu diferencial, é quanto ao que as faz tornarem-se porta voz de uma causa, multiplicadoras de informações enquanto, para além de seus próprios cuidados, mobilizam-se no cuidado, acolhimento e apoio a quem passa pela mesma via crucis.  Christine talvez possa falar algo a respeito; após o seu susto pessoal, fundou o Instituto Espaço de Vida que se destina, principalmente, a pessoas portadoras de câncer de mama.


Eu conheço outra pessoa, muito querida, que também teve atitude semelhante: enquanto passa pela vida toreando um sério problema renal, uniu-se à sua família, pai, mãe e irmãs - duas irmãs portadoras do mesmo problema - e fundou a ONG Doe Vida. Como mãe de uma linda filha, quando tomei conhecimento do caso, anos atrás, fiquei pensando no coração desses pais em meio à luta das três filhas. As três passaram por transplante renal; uma recebeu o rim da mãe, outra parece que do pai e, esta minha amiga, de uma prima. Na época, eu não a conhecia. Tive essa felicidade há pouco tempo. Li, recentemente (desconheço o autor), que amizade não é uma relação com alguém a quem se conhece por muito tempo, mas, com alguém em quem se confia, em quaisquer circunstâncias. É o caso.


Bem, William Shakespeare disse que todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente. Será que pessoas que têm atitudes de ampliar as dimensões de sua luta, fundando uma ONG, o fazem pelo não-domínio da própria dor? Aventuram-se a dominar a dor alheia pelo princípio universal de que é mais fácil resolver o problema do outro? Ou será que fica mais fácil pelo compartilhar a própria dor?  


Platão considerava que o homem inteligente aprende com seus próprios sofrimentos e o homem sábio aprende com os sofrimentos alheios. Talvez seja isso, e pessoas assim detenham as duas qualidades, além de serem muito corajosas, porque é preciso muita coragem para se expor.


Esta amiga, bem jovem ainda, vive de tomar decisões importantes por razões que ora dizem respeito unicamente a ela, ora envolvem outras pessoas. Penso, a partir daquelas sobre as quais eu tomei conhecimento, que nunca sejam decisões fáceis. Impõem, dentre outras coisas, a necessidade de muito desapego uma vez que ela precisa abrir mão de coisas pelas quais muito lutou, de sonhos com os quais sonhou, e abrir mão de sonhos é complicado por mais enfáticos que sejam os discursos sobre as compensações envolvidas. Por exemplo, o reconhecimento social pela atitude benevolente por beneficiar a muitos, elogio que talvez console o ego, mas que não cala a dor da perda de uma vida para sempre só imaginada.


Brian Novis deve ter passado por isso ao fundar a IMF.
Pessoas envolvidas com ONGs idôneas, éticas, exercitam o lado bom do ser humano, condição sempre sujeita à liberdade de escolha. Graças às ONGS, os pacientes podem ter informações que são preciosas alavancas para o aprimoramento de seus conhecimentos.


Conhecimento no campo da saúde é moeda que paga a participação da pessoa em seu próprio tratamento. É texto que faz de cada um protagonista e coadjuvante no palco de seus cuidados.
Pelas mãos do conhecimento, todos nós saímos da condição passiva.


Voltando à minha amiga, assim que eu recebi a notícia de uma decisão profissional que ela tomou, escrevi-lhe dizendo, dentre outras coisas, que pessoas especiais costumam tomar decisões especiais.
Tomo a liberdade de editar, aqui, partes de sua resposta a mim:

Gláucia querida,
... suas palavras me emocionaram intensamente... pois vi nelas o significado do amor ao próximo, que procuro colocar em prática mesmo quando as circunstâncias não ajudam.... também entendo a ONG e todo o seu trabalho como uma missão de vida, a qual tenho a obrigação de levar adiante... por gratidão, reconhecimento às inúmeras bênçãos que recebemos (eu e minhas irmãs) e uma crença maior de que podemos plantar sementinhas que geram amor sempre... nem sempre consigo enxergar minhas qualidades, sou humana... e você, através desse gesto, despertou esse olhar que eu precisava resgatar para me fortalecer mais uma vez... Fique com Deus!
Abraços carinhosos.

Querida amiga; eu sou dada à liberdade de usar o que não é meu. Dentre usos que faço do que não me pertence, estão poesias. É que não sou poeta e penso que não preciso sê-lo, uma vez que há tantos nascidos, feitos e criados, capazes de bordar palavras lindas nos tecidos de nossos corações. A mim basta lê-las e repeti-las onde elas caem bem.


Assim, uso palavras de Clarice Lispector para dizer-lhe que você tem felicidade bastante para fazê-la doce, dificuldades para fazê-la forte, tristeza para fazê-la humana e esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
que aparecem em seus caminhos.
A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passaram por suas vidas.
(Clarice Lispector)

Continuando no uso de minha liberdade auto-atribuída, endereço a você, como minhas, as suas palavras adaptadas:

... Nem sempre consigo enxergar minhas qualidades, pois, sou humana e você, através de seu retorno, despertou um olhar que eu também precisava resgatar para me fortalecer mais uma vez.
Minha gratidão eterna por isso e por ter passado pela minha vida.

Abraço a todos e até a próxima

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