“O céu é o meu trono, e a terra, o estrado dos meus pés;
que casa me edificareis, diz o Senhor, ou qual é o lugar do meu repouso?”
(Atos 7.49)
No livro de Atos, Lucas relembra a passagem em Isaías, na qual o Senhor alerta para a atitude interior apropriada, onde sacrifícios e cumprimento de rituais não têm valor.
Há um alerta também por meio de Jeremias acerca dessa falsa segurança:
Templo do Senhor, Templo do Senhor, Templo do Senhor!
O profeta chamou a atenção de um povo que colocava sua confiança no espaço físico onde se reuniam em adoração, enquanto lá fora sua conduta com o próximo não agradava a Deus. Para estes, havia lá dentro uma espécie de certificado de garantia em resposta aos seus rituais, suas obrigações, seus cerimonialismos, enquanto o profeta insistia que nada daquilo tinha valor sem o arrependimento e a justiça. (capítulo 7)
"Não habita o Altíssimo em casas feitas por mãos humanas" (Atos 7:48)
E o que é ser Igreja, finalmente?
Ainda hoje em dia tem muita gente sincera, mas totalmente equivocada em relação à igreja, enquanto instituição e espaço físico que dê garantia de salvação.
Há um grande engano envolvendo tudo isso nos dias atuais, principalmente depois dessa febre ativista, onde igrejismos prendem a pessoa cada vez mais a seus espaços físicos e que ironicamente findam por afastar as pessoas, isolando-as, sugerindo uma separação supostamente privilegiada no âmbito espiritual.
Às vezes passamos tanto tempo de nossas vidas em lugares considerados santos, que esquecemos o mais óbvio que Deus requer de nós, que é viver a vida entre outras pessoas. Vida mesmo, no sentido de conviver, co-existir, de estar junto, de compartilhar, de curtir, de dividir bronca e alegria, porque vida cristã é isso: estar com o próximo na vida prática, cotidiana.
Ora, as reuniões semanais no templo são para celebrar em grupo aquilo que fazemos diariamente, seja no trabalho, em casa ou no lazer. Muitos dos que estão adorando a Deus no templo não creem que Deus possa estar em outros espaços, sem revelações, sem visões, sem gritaria, sem anjo descendo, sem línguas estranhas, sem fogo, sem oba-oba, agindo no silêncio, curando, colocando no braço, fazendo maravilhas, independente do credo. Aliás, até acreditam - em parte - entretanto em sua arrogância e/ou meninice espiritual, dizem em seguida: é porque Ele é misericordioso, mas salvação pra aquele lá não tem mesmo!
Certo dia ouvi de uma pessoa de dentro da "igreja" sem entender um texto cujo título era "Espiritualidade nos Negócios" e aí ela riu e perguntou incrédula: o que é que tem a ver Deus com negócios?
Essa mesma pessoa estranhou quando alguém citou o clássico jargão "Deus é fiel". Com a mesma surpresa no rosto, ela pergunta: como assim, Deus é fiel?!
Ora, fidelidade é um atributo de Deus e a pessoa que vive a vida inteira caminhando para a igreja não sabe algo tão singular?
É aquela velha história: vive na Casa de Deus, mas não conhece o Deus da Casa.
O certo é que adoramos a Deus em espírito e em verdade MESMO é no cotidiano - no respirar, no ser e não no estar- é nas coisas essenciais como bater um papo com um vizinho, sair para um barzinho com um colega de trabalho, dar uma caminhada no fim de tarde com um amigo, que findam por tornarem-se programas sem grande importância e sendo colocados em segundo plano por aqueles que acreditam que só merecem o amor de Deus se estiverem na igreja todos os dias ou então realizando algum trabalho ligado à “igreja”.
O estranho é que se formos de fato sinceros, podemos observar que se a desculpa é porque na igreja encontramos “comunhão” e se a nossa proposta for realmente a de prestar um culto racional - como sugere Paulo - há uma flagrante constatação de que nem sempre lá existe comunhão e sim uma comoção coletiva que está mais para sugestionável do que para aplicável na vida prática.
Fé coletiva não é fé genuína. É mera comoção. É sentimento.
E Jesus não nos conclama a sentir, mas a SER.
Enquanto Jesus simplifica sem ensinar qualquer técnica de ascensão espiritual, o homem acrescenta cansativos ritos numa busca por rituais complicados em jornadas e mais jornadas de sacrifícios.
Ora, ser igreja não é fazer certas coisas ou deixar de fazer certas coisas, mas fazer tudo de certa maneira.
Com o fim de alcançar a Graça de Deus, o homem quer controlar, determinando um pacote de exterioridades de modo que os requisitos que muitos impõem equivocadamente a si mesmos são tantos e tão inúteis que vai sendo formada gradualmente uma espécie de muro invisível mas cheio de falsas convicções entre eles e aqueles que Jesus propõe uma comunhão informal e verdadeira.
E então se estabelece uma inversão de coisas outrora provenientes de Deus que distorce seu mandamento que é o “partir do pão”.
Esse partir do pão que Ele propõe e que é na vida prática, no dia-a-dia, no casual.
E não no programado, no horário definido, na pessoa escolhida, no culto do domingo.
Ser igreja é ser sal fora do saleiro.
É AGIR fora do templo, da instituição, das tradições que invalidam a Palavra de Deus.
É ser luz aqui do lado de fora.
É agitar, transformar, remexer, se misturar.
O orai sem cessar de Paulo ao povo de Tessalônica nos diz dessa consciência na presença de Deus e que não está vinculado a espaço físico. É o ato de nos rendermos a Ele o tempo todo.
Isso é adorar e são esses os adoradores que a Deus importa.
Já ouvi gente impregnada de rigor ascético dizer que não se mistura, porque tem lá na bíblia dizendo que não é pra ficar junto de certas pessoas. Gente que não consegue entender que Jesus diz para não fazer parte desses grupos no sentido de não compartilhar das mesmas ideías, mesmas perversões da alma. Então se o raciocínio fosse assim, ele não nos mandaria ir visitar os presos, sabe-se lá por que razão estão encarcerados. Ora, o mala na Cruz simplesmente ganhou um presentaço "em dois tempos", só porque reconheceu a autoridade e soberania de Jesus ali do seu lado, recusando-se a compactuar com o escarnecedor que estava do outro lado e na mesma condição "legal" que ele.
Outro dia quando um blogueiro defendia suas teses até sensatas, porém recheadas de linguagem de bom moço, argumentando que não era como outro lá que tinha um linguajar ácido, imediatamente me lembrei de Jesus – o único modelo que devemos seguir – sendo ÁCIDO em suas palavras durante seu ministério em dois momentos específicos: contra as instituições religiosas e contra a hipocrisia.
E não porque ele fosse contra instituições em si, mas porque delas o homem faz seu esteio e ali fincam suas próprias bandeiras, reinventando doutrinas “que são preceitos de homens”, discriminando, seccionando, distanciando, assumindo máscaras de santidade gerando hipocrisia e assim esfriando o amor pelo próximo, entrando em choque com as Escrituras. (Marcos 7: 1.23)
É onde a tradição aprisiona e mata: quando se torna inconsistente com a Palavra distorcendo o Evangelho.
Esta foi uma das vezes em que Jesus falou com acidez e, como depois seus próprios discípulos confessaram não entender a parábola, a eles, Jesus falou com clareza:
“O que sai do homem, isso é o que contamina.
Porque de dentro, do coração dos homens,
é que procedem os maus desígnios,
a prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios, a avareza,
as malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura.
Ora, todos esses males vêm de dentro e contaminam o homem”.
(Marcos 7:20.23)